Claudia Lima
A discussão sobre um novo modelo de gestão para a área de produção, visando garantir a manutenção e ampliação de fornecimento de insumos estratégicos para as políticas públicas do Sistema Único de Saúde, foi o tema da assembleia promovida por Bio-Manguinhos na última terça-feira (28/2). O encontro lotou o auditório do Museu da Vida, com quase 300 trabalhadores presentes. Foi o primeiro debate deste ano prévio à Plenária Extraordinária do VI Congresso Interno, que ocorre de 9 a 11 de maio. O seminário preparatório tema Perspectivas para Modernização do Estado Brasileiro vai ser realizado em 6/3, no auditório térreo da Ensp.
Os presidentes da Asfoc-SN, Paulo Garrido, e da Fiocruz, Paulo Gadelha, participaram da mesa de debates ao lado do diretor de Bio-Manguinhos, Artur Couto, que apresentou o histórico das discussões promovidas na unidade e falou sobre a necessidade de mudanças do modelo jurídico. O diretor destacou as premissas que nortearam a busca do modelo mais adequado à área de produção: ser instituição pública estatal e estratégica; manter a integralidade institucional; assegurar a gestão democrática e participativa; e garantir mecanismos para a eficiência e eficácia gerencial.
Também foram premissas a busca de mecanismos que garantissem os direitos dos servidores e conferissem maior autonomia orçamentária para o setor de produção – como acesso a financiamentos, por exemplo. O modelo de gestão proposto e que será votado na Plenária Extraordinária é o de subsidiária, inicialmente para Bio-Manguinhos. A unidade passaria a funcionar como uma empresa pública, pertencente à Fiocruz. O quadro de pessoal seria formado por servidores concursados, seguindo o regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
“O caminho jurídico diferente não pode ser considerado como se fosse ser perdida a vocação da Fiocruz. Não é o formato jurídico que vai definir se nós estamos cumprindo a nossa missão ou não”, afirmou Gadelha, lembrando a história da instituição. “Já fomos uma fundação pública de direito privado e foi um dos grandes momentos da instituição, que nunca deixou de ser pública”, refletiu. O presidente alertou para a necessidade de ter claros os conceitos em discussão. “Ser empresa não tem nada a ver com ser privado. É uma forma de organização jurídica que, nesse caso, continua estatal e integralmente pública”.
Empresa pública X privatização
Em resposta a dúvidas dos trabalhadores sobre a diferença entre empresa privada e privatização, o advogado e consultor Marcio Monteiro Gea detalhou o modelo da subsidiária. “Há dois tipos de administração no Brasil: direta, de autarquias e fundações autárquicas; e indireta, de sociedades de economia mista e empresas públicas”, explicou. No caso da administração indireta, as sociedades de economia mista, como Petrobras e Banco do Brasil, têm sócios privados e quadro de funcionários públicos celetistas.
“No caso de empresa pública é diferente: não há qualquer possibilidade de haver sócio privado, a lei não permite”, esclareceu Gea. “A empresa pública tem pequenas características privadas para atuar no setor econômico, como obter recursos privados do BNDES ou Finep, por exemplo. O objetivo é dar agilidade a um setor da Fiocruz para poder competir”, afirmou o consultor, lembrando que o quadro de trabalhadores é de servidores concursados, celetistas, com estabilidade. “Privatização não tem efetivamente nada a ver com isso aqui. Privatização seria se fosse separado o setor da Fiocruz para preparar para a privatização. Outra forma seria terceirizar, o que também não é o caso”, explicou Marcio Gea.
Contratação por concurso público
O presidente Paulo Gadelha destacou a forma de contratação por concurso para a subsidiária, caso o modelo seja aprovado, e a relação com o regime atual dos servidores da instituição. “Para os servidores da Fiocruz, o plano de cargos e salários continua exatamente como é hoje. Não há plano em extinção”, ressaltou. Como os funcionários públicos da subsidiária terão outro regime, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a ideia é buscar uma equalização entre as carreiras da Fiocruz e da empresa. “Poderemos fazer isso por meio do sistema de gestão participativa da instituição”, disse Gadelha.
A precarização das relações de trabalho do quadro de terceirizados - vulneráveis pela mediação de empresas licitadas para contratação de pessoal, pela impossibilidade de capacitação profissional e ausência de plano de carreira – foi debatida. Termo de ajuste de conduta assinado com a Procuradoria Federal determina que todos os órgãos ligados ao Ministério da Saúde substituam por concurso trabalhadores de atividades fim, que hoje exercem funções de servidores públicos sem amparo legal.
O estudo do novo modelo jurídico para a área de produção aponta a possibilidade de as vagas ocupadas hoje por terceirizados em Bio-Manguinhos passarem para o conjunto da Fiocruz, por concursos públicos nos moldes dos já realizados, para servidores no Regime Jurídico Único (RJU). Na discussão, foram levantadas dúvidas sobre a cessão de servidores da Fiocruz à subsidiária, especialmente quanto à origem do pagamento. As regras em vigor atualmente serão as mesmas: se um trabalhador da Fundação for cedido à subsidiária, caberá à empresa pública ressarcir a Fiocruz.
Impasses para a produção, sustentabilidade ao SUS
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Diretor de Bio-Manguinhos, Artur Couto |
A dificuldade de operacionalizar a produção em Bio-Manguinhos hoje e de aumentar a produção para atender demandas internas e do mercado internacional chegou ao limite, na avaliação do diretor Artur Couto. “É o momento de pensar se vamos continuar nesse mercado ou não, se vamos morrer. Terceirização e soluções via Fiotec são quebra-galho, não são modelo”, afirmou. De acordo com ele, dificuldades são enfrentadas em todas as áreas, como compras, orçamento e produção.
“Se nós não buscarmos uma solução, nós vamos parar. É uma questão de tempo. Não é falta de dinheiro: é falta de dinheiro quando nós precisamos, no tempo e na hora que precisamos”, afirmou. As preocupações do diretor são divididas com o vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional, Pedro Barbosa, que ressaltou o fato de o ano fiscal da administração pública ser encerado a cada fim do ano. “É uma verdade da Lei Orçamentária: quando chega 31 de dezembro, o caixa acaba. Como posso operar processos produtivos com essa envergadura e responsabilidade nessas condições?”, questionou.
A impossibilidade de a administração direta ter acesso a empréstimos é outro entrave. “É preciso que fique claro: nós não temos acesso a recursos de financiamento para formação de capital para investimento e reinvestimento”, afirmou Barbosa. “Qual é o custo, o risco de não se mexer? Precisamos reconhecer as dificuldades de não ter flexibilidade na área econômico-financeira para fazer essa máquina girar e crescer frente aos desafios que são colocados no cenário brasileiro, do ponto de vista da soberania e sustentabilidade do SUS”, disse o vice-presidente.
Para o vice-presidente, a mudança tem como objetivo o desenvolvimento de estruturas que possam dar mais sustentabilidade ao SUS, ainda com grau elevado de dependência externa. “Significa conferir ao Estado brasileiro um poder diferenciado não apenas em relação à realidade de hoje, mas aos desafios dos compromissos sociais que queremos cumprir”, afirmou. Paulo Gadelha ressaltou as dificuldades enfrentadas hoje pelo gestores para atender às demandas da produção sem respaldo do modelo jurídico. “Tudo isso é uma faixa muito tênue de risco, tudo feito a muito custo”, afirmou.
Discussões para a Plenária Extraordinária
São três os temas a serem discutidos na Plenária Extraordinária do VI Congresso Interno, detalhados no Documento de Referência: Melhorias Incrementais no Modelo de Gestão; Gestão de Pessoas; e Constituição de Subsidiária para a Área de Produção de Insumos Estratégicos para a Saúde. Elaborado pela Comissão Organizadora, formada por integrantes de todas as unidades e representação do Sindicato, esse documento traz um histórico de todas as discussões e dos estudos realizados.
“Temos um desafio nesses dois meses de trazer à tona todo um acumulado de discussão e procurar o máximo possível precisarmos esse debate com informações, em eliminar dúvidas e significa fazer as perguntas corretas e dar as respostas”, afirmou Pedro Barbosa, presidente da comissão. O segundo produto, Documento de Teses, traz as conclusões desse processo e irá à votação na plenária. As unidades devem enviar contribuições os documentos (disponíveis no site do VI Congresso Interno, www.fiocruz.br/congressointerno ) até o dia 31 de março.
O presidente da Asfoc-SN, Paulo Garrido, convocou os trabalhadores para participar intensamente dos debates, tanto os promovidos pela comissão organizadora quanto os propostos pelo sindicato. “Estamos tendo muito cuidado para fazer uma avaliação exaustiva do temário, querendo enfrentar vários preconceitos, cuidando de buscar o contraditório”, afirmou, anunciando a realização de um seminário no dia 9/3. “O intuito é o fortalecimento de uma Fiocruz pública, estratégica e estatal”, afirmou. “Vamos nos reunir com a direção de Bio-Manguinhos e o presidente já se colocou à disposição para participar de um grupão específico sobe o Congresso Interno”, anunciou.
Ao fechar a assembleia, o presidente Paulo Gadelha fez algumas considerações. “Nós estamos juntos e estaremos juntos agora, no Congresso Interno e depois também. É um processo”, afirmou, depois de falar sobre as tentativas de reforma do Estado brasileiro não realizadas, como a reforma política e a fiscal. “Não posso esperar esse mundo edulcorado onde vai haver a reforma de Estado dos meus sonhos. O que posso fazer é agora, nesse momento, quais são as posições, mesmo que conjunturais, que me permitam ser mais estatal, mais efetivo, mais compromissado com a questão social”, declarou. “Não devemos perder a emoção, o que nos move, mas também com racionalidade. Esse é o desafio que a gente tem até o Congresso Interno”.
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