O embaixador Celso Amorim, ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores, foi o convidado do quarto e último seminário preparatório para o VIII Congresso Interno da Fiocruz, com o tema Democracia no Brasil e Projeto Brasil Nação: o papel da Fiocruz, realizado em 30/10, na Tenda da Ciência Virginia Schall, no Campus Manguinhos. O diplomata falou das dimensões do Projeto Brasil Nação - um movimento apartidário de intelectuais e representantes de vários setores da sociedade reunidos a partir do pensamento crítico do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
No manifesto do movimento, com mais de 10 mil assinaturas, são propostas cinco metas intermediárias de políticas econômicas para o Brasil "voltar a crescer de forma consistente, com inclusão e independência". O documento descreve o cenário de crise sem precedentes no país, destacando o alto índice de desemprego; as ações prejudiciais à produção nacional (da indústria naval à construção civil); os cortes de recursos nas áreas de ciência, cultura e educação; e as perdas de direitos, especialmente dos mais velhos, pobres e vulneráveis.
Democracia
Celso Amorim abriu sua palestra falando sobre o trabalho da Unitaid - iniciativa de saúde global para o desenvolvimento e a aquisição de medicamentos vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), da qual é presidente do Conselho de Administração. Em seguida, falou sobre a base do Projeto Brasil Nação. "Gostaria de destacar os três pilares do movimento: democracia, soberania e desenvolvimento", enumerou. O diplomata destacou a democracia como a dimensão mais importante das três. "Sem democracia, nenhum dos outros dois pilares faz sentido", afirmou.
Amorim defendeu uma reforma política no país para que haja eleições diretas e irrestritas. "É muito importante para o futuro do Brasil que tenhamos um sistema que permita a representação do povo, e não do poder econômico. Um dos grandes problemas que temos hoje é ter políticos que não têm compromisso com nenhuma causa. Aqui, as coalizões se fazem em torno de interesses pessoais ou setoriais", disse.
Para que o sistema de saúde do país se mantenha acessível a todos, o diplomata defende a necessidade de uma democracia não só política. "Tem que ser também uma democracia social no seu sentido pleno, sem discriminação de gênero, raça ou de toda natureza", defendeu. "Sem uma base democrática, vão acabar prevalecendo outras visões, capitalistas, empresariais, com muitos inconvenientes, porque deixam muitas pessoas sem acesso"
Soberania
O enfraquecimento das estruturas de base da economia brasileira foi um ponto destacado pelo ex-ministro. "Há uma grande preocupação com a soberania nacional, que nós vamos vendo ser erodida dia a dia, através da venda de ativos - não apenas para atender uma opção ideológica, mas para fazer caixa a curto prazo", exemplificou. Amorim criticou a defesa da privatização da forma como é feita hoje, que considera como favorável à desestatização das empresas nacionais. "Há todo um discurso contra estatais, mas só as brasileiras. Por que a estatal de tal país é mais eficiente e a brasileira, não?", avaliou.
O embaixador citou o exemplo do presidente francês, Emmanuel Macron, que estatizou o maior estaleiro do país, o STX France. O objetivo foi defender os interesses estratégicos do país ao evitar que a empresa fosse controlada majoritariamente por uma construtora italiana. "A questão da soberania incomoda muito. Os pilares da ação externa brasileira, que foi indiscutivelmente diferente do que vinha sendo feito, depende das empresas nacionais, da ação dessas empresas em certas áreas, do BNDES", afirmou.
Desenvolvimento
A terceira dimensão do Projeto Brasil Nação, para Celso Amorim, é a do desenvolvimento. "Assim como a democracia não pode ser só política, porque é incompleta, o desenvolvimento não pode ser só econômico", disse. "É importante não perder a dimensão da natureza, do desenvolvimento sustentável. E não perder a dimensão do convívio entre as pessoas, do bem viver, da necessidade de crescente igualdade de gênero e raça nas oportunidades que são oferecidas", defendeu. "Nós somos seres humanos e temos que temos objetivos humanos a desenvolver. Hoje vivemos num mundo dominado pelo capital financeiro em que essas questões vão ficando de lado".
Dados divulgados em setembro pela Organização Não Governamental britânica Oxfam sobre a desigualdade social no Brasil apontou que os seis brasileiros mais ricos concentram, juntos, a mesma riqueza que os 100 milhões de brasileiros mais pobres. Amorim citou esses dados para falar da necessidade de políticas afirmativas. "A desigualdade no Brasil passa pelo fator racial e se não houver medidas afirmativas nesse sentido, isso vai continuar a ocorrer. O mercado não vai resolver esse problema".
A Fiocruz
Celso Amorim destacou o papel da Fundação no cenário nacional. "A Fiocruz é um órgão do Estado brasileiro, da sociedade brasileira, que transcende a governos e tem tido uma postura ao longo dos anos extremamente importante, do ponto de vista do progresso científico e tecnológico do país, e também do lado da educação e do ensino, em busca do desenvolvimento social", afirmou. Para o embaixador, a instituição é uma referência. "É uma organização expoente nessas três dimensões - democrática, ao contribuir com esse debate; na dimensão da soberania e no desenvolvimento, por estar sempre pesquisando e presente na luta pela soberania nacional, fazendo vacinas e eliminando dependências", resumiu.
Na abertura e no fim da palestra, a presidente Nísia Trindade Lima agradeceu e ressaltou o papel do ex-ministro das Relações Exteriores. "Com a Unitaid, o embaixador continua com importante projeto no campo da saúde, numa cooperação internacional com uma visão de garantia de acesso, do direito e da questão da propriedade intelectual, temas da maior importância para o nosso debate do Congresso Interno", afirmou. "´É um momento em que toda a instituição se reúne para discutir os rumos institucionais. Essa palestra significa pensar o Brasil em múltiplas dimensões", disse Nísia, que espera contar com o diplomata como um interlocutor permanente.
Para ler o manifesto do Projeto Brasil Nação, clique aqui ou acesse o link http://www.bresserpereira.org.br/manifesto.asp.
(Texto: Claudia Lima; Fotos: Peter Ilicciev)
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