Coordenador da Comissão fala sobre os grandes temas do Congresso

Coordenador da Comissão Organizadora do VI Congresso Interno e vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional, Pedro Barbosa considera as discussões em andamento como mais uma grande oportunidade e um rico espaço para a comunidade da Fiocruz debater democraticamente os rumos da instituição.  Para ele, o compromisso institucional continua sendo o de trabalhar para uma sociedade que tenha capacidade de prover condições de saúde de forma equânime, integral e soberana como condição de desenvolvimento para a própria sociedade.

Em entrevista coletiva, concedida aos assessores de comunicação da Fiocruz em 27 de julho, o vice-presidente abordou os principais temas do Congresso, como a própria dinâmica do evento, a importância de se planejar a Fiocruz para o futuro e de pensá-la como instituição estratégica de Estado, além do debate sobre uma possível mudança de modelo jurídico para a Fundação. Confira abaixo algumas das perguntas feitas pelos assessores ou assista à entrevista na íntegra. Vale destacar que, como este evento foi realizado antes da decisão do Conselho Deliberativo de transferir a plenária do Congresso para outubro, as respostas relativas ao cronograma já não correspondem ao momento atual. Para conhecer o atual calendário, clique aqui.

Por que há necessidade de ajuste do modelo de gestão da Fiocruz?

Essa questão de novo modelo não poderia ser separada da discussão de projeto. Não é à toa que esse novo modelo é apresentado no documento enquanto uma dimensão do projeto Fiocruz na perspectiva 2022 e também no alinhamento do plano quadrienal. O modelo precisa ser compreendido como forma e condição sob o aspecto de instrumentos que facilitem o desempenho institucional. Se isso que eu digo tem fundamento, mais importante que o modelo é o projeto. Quando nós tomamos por referência a marca geral desse congresso, identificamos uma formulação muito expressiva que é a Fiocruz enquanto instituição estratégica de Estado. Então, estamos diante do desafio de como atualizar essa marca para os próximos anos. Para isso, temos de compreender a missão, o papel e a razão de ser da Fundação neste Estado, e que toma como elemento central o desafio de desenvolver o campo da saúde deste país, assumido como finalidade da sociedade, como direito de cidadania e como dever do Estado, como conquistamos na Constituição. Isso pode ser sintetizado em ‘mais vida e mais qualidade de vida’ para cada indivíduo e para toda a sociedade brasileira, sob responsabilidade do Estado. Estamos atrás de uma sociedade que tenha capacidade de prover condições de saúde de forma equânime, integral e soberana como condição de desenvolvimento para a própria sociedade. Ao se propor enquanto estratégica, a Fiocruz se torna diferenciada por contribuir para o desenvolvimento desse sistema. 

Como o SUS vem sendo enxergado neste contexto?

Nós olhamos para os desafios do SUS e o quanto nós, a partir das nossas frentes de atuação, devemos somar forças para desenvolver esse sistema.  Mas há outro elemento importante como desafio para o desenvolvimento, sendo ele recente na compreensão dos sistemas de saúde.
Não há desenvolvimento de sistemas de saúde se não houver desenvolvimentos científico, tecnológico e industrial no país. Durante muito tempo, nós, sanitaristas, pensamos o SUS como um sistema prestador de serviços. Mais recentemente, demos conta de que o desenvolvimento do SUS necessita dialogar com o desenvolvimento econômico do país, sob pena de seguirmos num padrão de vulnerabilidade do SUS, apesar de suas importantes conquistas.  Então, outro papel da Fiocruz é o de contribuir com os próprios desenvolvimentos científico e tecnológico e industrial do Brasil. Esse desafio é subordinado ao desenvolvimento de política social em saúde, não tendo como ser desatrelado do desenvolvimento econômico e soberano do país.

Se olharmos para a Fiocruz, encontramos uma instituição atuando em diversas dimensões desses dois grandes desafios - ‘mais vida e mais qualidade de vida’, o desafio do SUS, da equidade, integralidade e acesso universal, e o desafio do desenvolvimento científico, tecnológico e industrial soberano para que tenhamos mais qualidade de vida. Dentro da Fiocruz, temos atividades no campo da formação, pesquisa, da informação e comunicação, promoção da saúde e desenvolvimento sustentável, produção de insumos e inovação, na geração de novos produtos, além de contribuir com a inserção soberana do país na comunidade internacional, dado nosso papel no campo da saúde e diplomacia. E o elemento de base para isso tudo é a inovação na gestão. O conjunto desses desafios está exigindo aprimoramento das nossas práticas organizacionais, instrumentos, métodos, de modo a darmos mais qualidade e eficiência em relação a eles. Se eu compreender isso tudo, compreendo a necessidade de olhar para o nosso modelo de gestão e encontrar uma série de limites.

E quais são esses limites?

Os modelos que temos hoje na administração pública brasileira são formulados a partir da Constituição de 1988 e ajustados em emenda constitucional de 1998. Temos assumido que, na estrutura do estado brasileiro, há uma certa segmentação entre o que são modelos aplicados às áreas de competitividade econômica vis-a-vis a outros modelos para implementação de políticas sociais. O que ocorre é que essa segmentação não se ajusta à lógica de operação da Fiocruz. Não há modelo de administração pública brasileira que se enquadraria perfeitamente para a diversidade da Fundação, porque, em última instância, a nossa razão de ser é de natureza social, mas, para cumprir isso, desenvolvemos atividades que também são típicas de área de domínio econômico, especialmente a nossa área de produção de insumos e, mais recentemente, a área de desenvolvimento tecnológico. São áreas que nos impõem um padrão de qualidade e eficiência que seria mais característico de organizações que atuam na área de domínio econômico, muito embora no nosso caso seja com absoluta finalidade social; no caso, o desenvolvimento e sustentação do SUS.

Qual é o real grau de dependência do documento do plano quadrienal, sendo ele de curto prazo, e que não faz uma proposta direta para uma mudança de gestão em relação ao outro documento, que é o de longo prazo e fala do modelo de gestão?

Nossas análises mostram que essa dependência é desigual dentro da Fiocruz. Hoje, nós temos elevada necessidade de maior autonomia, em especial no campo do financiamento e da gestão orçamentária na área produtiva. Para seguirmos em desenvolvimento, em rotas biotecnológicas, em padrão de eficiência e atualizando planos industriais, estabelecendo parcerias externas e requisitos de qualidade nesse espaço de produção, precisamos de dinâmica de financiamento orçamentária, que não está contida no modelo de fundação autárquica.

Por exemplo, hoje, a necessidade de investimentos na nossa área produtiva ultrapassa em muito as lógicas de gestão orçamentária autárquicas existentes, e até mesmo as lógicas de investimento existentes pelo orçamento regular do governo federal. A Fiocruz, para apresentar projetos de desenvolvimento tecnológico alinhado às políticas governamentais de desenvolvimento produtivo no país, precisa de recursos na ordem de 500, 600 milhões de reais, mas o modelo de gestão da Fiocruz impossibilita o acesso a esse orçamento, e que seria possível numa subsidiária com aportes por exemplo do BNDES. Hoje em dia, a linha de orçamento da Fiocruz para investimentos está na ordem de 20 a 30 milhões. Como resultado, corremos o risco de diminuir o ritmo de desenvolvimento e de aportes para o SUS e para os processos de inovação de insumos e tecnologias para o país.

Nessa lógica de empresa pública dentro da Fiocruz, existe o risco de extinção do plano atual da Fiocruz?

A proposta de empresa pública dentro da Fiocruz elimina qualquer risco ou possibilidade de extinção do plano RJU. A Fiocruz continuará sendo uma fundação pública de natureza autárquica e regida na área de pessoal pelo RJU. Portanto, o desafio deixa de ser a gestão de um plano RJU em extinção, que não vai acontecer. O desafio passa a ser como regular o RJU vis-à-vis um possível plano de CLT, dado que, se nós tivermos uma empresa interna na Fiocruz, os novos ingressos serão na modalidade CLT, sempre por concurso público, porque assim reza a Constituição para empresas públicas. Todos nós, atuais servidores RJU, assim continuaremos com pleno funcionamento e desenvolvimento do nosso plano, incluindo permanentes concursos, como o que faremos agora para a carreira RJU.

O desafio passa a ser de regulação no equilíbrio entre ambos e de como estabelecer critérios e parâmetros equânimes de desenvolvimento. Ainda que assumido como desafio, isso está no nosso âmbito de governabilidade. A Fiocruz conta hoje com mais de 5 mil profissionais terceirizados em aproximadamente dez tipos de planos e diversas discrepâncias. Temos de compreender que, caso esse novo modelo seja adotado, se a empresa é interna à Fiocruz, de domínio pleno seu e capital integral, a gestão dessa empresa é subordinada à gestão da Fiocruz, ainda que regulada pelo Ministério do Planejamento, como é o caso da regulação do RJU.  Seguramente, há vários desafios para que nós homogeneizemos essas questões e evitemos distorções internas.

A coexistência de dois modelos pode afetar a Asfoc como representante dos trabalhadores da Fiocruz?

Não vejo também nenhum tipo de problema de discussão quanto ao papel da Asfoc como sindicato inclusive dessa nova possível subsidiária da Fiocruz. Como o sindicato é da Fiocruz, a empresa é da Fiocruz, e não vejo, ainda que precise ser discutido com o sindicato, nenhum risco da Asfoc não ser o sindicato de representação dos trabalhadores dessa possível subsidiária. Se for preciso, mas isso é questão para o futuro e somente após muita clareza, poderia se pensar na atualização da carta sindical da Asfoc para dar conta dessa outra dimensão. Eu penso que isso é extremamente desejável e teria amparo legal, porque a empresa está dentro do sistema Fiocruz. Mas isso é algo para ser debatido com o sindicato, e temos de conversar com a devida cautela, uma vez que não estaremos tomando qualquer decisão nesse sentido neste Congresso, mas apenas aprofundando o tema.

Expansão da Fiocruz nacional e internacionalmente são dois temas que têm suscitado muitos debates e também estão presentes no temário do congresso. Por que ampliar a presença da Fiocruz no Brasil e no exterior do Brasil?

O Brasil tem um compromisso estratégico no campo internacional com a paz e a saúde, considerando essas duas questões como fundamentais para o aprimoramento da relação entre os povos. A Fiocruz sempre esteve presente nessa dinâmica de diplomacia internacional do governo federal. Por conta disso, atuamos em especial em dois projetos internacionais, a Unasul e o Palops, e continuaremos com isso. Essas duas estratégias, importantes na diplomacia brasileira, principalmente no campo da saúde, estão muito bem representadas pelo Cris/Fiocruz, que tem o ex-presidente, Paulo Buss, à frente.

No âmbito nacional, a expansão da Fiocruz está alinhada ao programa Mais Saúde do Governo Federal, e continuaremos cumprindo nosso papel de desenvolvimento regional científico e tecnológico em saúde pelo país, estendendo essa área da Fiocruz por meio da lógica de parcerias regionais. A Fiocruz, como estratégica de Estado, pode e deve se somar ao desafio de seguirmos construindo uma nação mais equilibrada regionalmente, estendendo padrões de desenvolvimento às várias regiões, no caso no campo científico e tecnológico em saúde.
Sabemos que precisamos estabelecer melhor essas perspectivas, especialmente considerando o PPA governamental. É importante dizer que o Plano Plurianual governamental permite a abertura de projetos de expansão como esses e acontecerá entre 2012-2015, mas estará em discussão a partir de julho de 2011. Se discutirmos adequadamente todas essas propostas de expansão para a Fiocruz, teremos um insumo de grande importância para nos qualificarmos no PPA do próximo governo.

A ampliação do projeto Teias também faz parte desse projeto da Fiocruz?

O Teias expressa uma política muito atual do Ministério da Saúde e responde a desafios de sistema de atenção que tornam o território forçosamente interssetorial, onde a saúde é uma das dimensões que precisam ser trabalhadas, bem como dialogar com vários outros fatores do território, como cultura, política, renda, trabalho, moradia, transporte etc. Eu diria que isso é um aprimoramento do sistema de atenção do país, e precisa haver, na Fiocruz e particularmente na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, uma liderança para esse aprimoramento, porque o que estamos falando sinteticamente é o projeto. Precisamos desenvolver tecnologias e inovar nesse projeto. Desta forma, a Fiocruz assume o que a Escola está chamando de Teias - Escola Manguinhos, como um dos seus projetos mais estratégicos e parte da nossa responsabilidade em contribuir para enfrentar os principais desafios de desenvolvimento do SUS. Temos visto e devemos incentivar para que o Teias Manguinhos conte cada vez mais com o envolvimento das demais unidades da Fiocruz, como inclusive já temos visto, como é o caso do Poli, do Ipec, do IOC, da COC, e já provavelmente outras, que eu ainda não saiba. Ainda que tenha a liderança da Escola, esse projeto já extravasa para outras unidades.

Recentemente, a Presidência fez a chamada do PDTSP-Teias, que é o programa de fomento focado no desenvolvimento de tecnologias para o Teias Manguinhos. Foram apresentadas 32 cartas de intenções de projetos. Cerca de dez unidades da Fiocruz apresentaram projetos para serem desenvolvidos nessa linha de somar esforços em várias áreas de conhecimento da Fiocruz como um todo. Então, esse é um ponto em que a Fiocruz segue desenvolvendo tecnologias no âmbito da atenção.

A Fiocruz também está sendo chamada a ser o órgão de gestão nacional do Qualisus, um programa de longo prazo do governo federal, no âmbito do Ministério da Saúde, que vai, num primeiro momento, por quatro anos, extensíveis por mais quatro anos, estabelecer 15 regiões de saúde do país, maior que o Teias, porque serão regiões de 100, 150, 200 mil pessoas, onde também experimentaremos a tecnologia Teias com mais envergadura, em que, nessas regiões, poderemos discutir novas modalidades de pagamento, sistema de financiamento, configurações de tecnologias de informação, protocolos assistenciais, lógicas de coordenação intermunicipais, porque poderão ser municípios, e a Fiocruz assume esse papel de coordenação nesse sistema em nome do Ministério da Saúde, o que significa dizer papel estratégico em parceria com 15 potenciais estados. Temos uma vertente de desafios do SUS colocada dentro do nosso plano quadrienal e de desenvolvimento estratégico da Fundação.

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