EPSJV se prepara para VI Congresso Interno

Viviane Tavares
"A quem queremos dedicar nossas pesquisas?" Esse foi um dos questionamentos apresentados no debate ESPJV na preparação para a Plenária Extraordinária do VI Congresso Interno da Fiocruz. O debate Estado, desenvolvimento, ciência & tecnologia: quais os rumos da inovação e produção de insumos na Fiocruz contou com o diretor do Fórum Itaboraí: Política, Ciência e Cultura na Saúde da Fiocruz Petrópolis, Felix Rosemberg, e com o vice-diretor do Instituto Carlos Chagas da Fiocruz Paraná, Mario Moreira. A atividade foi promovida pela ESPJV/Fiocruz no dia 16 de abril, no auditório da Escola.

Com uma apresentação denominada Pra não dizer que não falei das flores, título de música de Geraldo Vandré e símbolo da luta contra a ditadura militar, Felix Rosemberg levantou questões em torno da inovação nas pesquisas em saúde nacional e mundial, posicionando a Fiocruz neste cenário. "Se queremos superar as desigualdades e queremos superar o atraso tecnológico, temos que fortalecer necessariamente nosso sistema de inovação em saúde. Há uma discussão muito aceita sobre a tecnologia e investigação científica com a conclusão de que elas estão vinculadas reciprocamente. Eu desenvolvo ciência, a partir do domínio que eu tenho dos instrumentos tecnológicos, se eu não domino a tecnologia adequada, não tenho como avançar cientificamente. E a ciência vai retroalimentar o desenvolvimento tecnológico. O papel que a Fiocruz deve cumprir é de uma agência estratégica de Estado, mais especificamente, no campo da inovação em saúde", destacou.

Rosemberg enfatizou também que a saúde e a riqueza dos países possuem relações próximas, mas que as políticas de Estado são determinantes nessa equação. "Em nosso continente temos dois exemplos claros. Os EUA, país mais rico do mundo, têm um sistema de saúde precário. E Cuba, um dos países mais pobres do mundo, tem um dos sistemas de saúde melhores do mundo. Sabemos que o complexo produtivo de saúde representa 8,4% do PIB do Brasil e sabemos que a pesquisa e o desenvolvimento em inovação é o principal vetor qualitativo e quantitativo", disse.

O diretor falou das desigualdades de investimento em saúde. De acordo com o palestrante, os países pobres e as populações pobres dos países ricos e pobres continuam tendo o mesmo perfil epidemiológico que tinham há anos ou até mesmo séculos. "Eles não só não estão em transição do perfil epidemiológico como a questão ainda vai além, porque aqueles que sobrevivem, depois de sobreviverem, estarão expostos a doenças crônicas. A pergunta que faço é: qual é a proporção da pesquisa que nós temos sobre doenças da população mais pobre, seja no Brasil, seja no mundo?", questionou.

Subsidiária
Trazendo a discussão para os temas do VI Congresso Interno da Fiocruz, Felix se posicionou de forma contrária à proposta de uma subsidiária para a Fundação. "Duas coisas distintas estão no Documento de Teses. Como vamos definir a política da subsidiária ou da produção da Fiocruz se de um lado falamos sobre atender as aspirações da população e depois falamos na inserção do país na produção global de insumos para a saúde? São dois caminhos, duas metas, duas organizações completamente diferentes. Vamos conseguir as demandas globais de saúde se nem sequer conseguimos atender as demandas do SUS?", provocou.

Com posição a favor da subsidiária, Mario Moreira dedicou sua apresentação para debater principalmente esta questão. Quanto à conjuntura global apontada por Felix, Mario ressaltou que o posicionamento expresso pela Fiocruz no Documento de Teses ao Congresso Interno evidencia a atuação baseada na solidariedade com os outros países. "Nós não atuamos no mercado internacional hoje com nenhum produto a não ser que a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) nos solicite. Atendemos demandas de países mais pobres como, por exemplo, a vacinação de febre amarela, a vacina de meningite em parceria com Cuba, em uma ação humanitária para controlar o cinturão da meningite da África. Quando leio no documento, leio nesta perspectiva. Vale a pena reafirmarmos na plenária se este é o significado", debateu.

Fragilidades do modelo atual
Mario relatou que as fragilidades têm sido grandes em relação ao sistema gerencial de Bio-manguinhos. "Nós somos santo de ouro com pés de barro, no limite da legalidade. Está tudo indo bem, mas se formos investigar o risco jurídico, sobretudo dos gerentes que assinam os documentos, vamos ver que a fragilidade é grande", explicou. No entanto, em contraposição, Felix argumentou que esta é uma questão a ser discutida por toda a Fiocruz e que talvez a mudança do modelo jurídico não resolva este problema.

"Queremos uma Fiocruz forte, pública, estatal, e, sobretudo, estratégica para ganhar relevância social", complementou. O diretor do Fórum Itaboraí defendeu ainda que o problema da Fiocruz não é de gestão e sim de uma política pública. "A questão da Fiocruz não ter inovado não se deve a limitações de gestão. A instituição tem que participar nas redes de decisão. Nós temos os mecanismos, mas não temos uma política clara de indução. É mais um assunto que o Congresso deveria discutir", observou.

Biofarmas brasileiras
A questão da mão de obra mais uma vez foi citada como um dos pontos cruciais para a criação da subsidiária. Mario exemplificou que hoje cerca de 45% do corpo gerencial de Bio-Maguinhos é terceirizado e que isso pode ser uma perda na propriedade intelectual da Fiocruz. Ele alertou também sobre a criação das biofarmas brasileiras. "Eu vejo como uma ameaça o crescimento dessas empresas, sobretudo, a empresa que vai produzir biofármaco. Não tenho dúvida de que o alvo de busca de mão de obra qualificada será aqui, porque não tem outro no país", ressaltou. Marcio complementou: "tenho dúvidas se vamos conseguir entrar em operação com nosso parque fabril em Santa Cruz antes dessas empresas. É o desafio da Fiocruz de ser pioneira. Vejo outro problema: a quebra do monopólio de vacinas por essas empresas. Acho que quem produz biofármaco, produz vacina. A Fiocruz deve ter condições de operar no setor industrial e fazer frente também nos remédios do próprio Estado".

O professor-pesquisador da EPSJV e membro da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN), Geandro Pinheiro, presente na atividade, opinou que toda a Fiocruz deve debater a questão da força de trabalho da Fundação. Segundo ele, o debate deve ir além da terceirização, já que a questão salarial dos funcionários contratados em regime CLT é também um fator importante e, inclusive, há dúvidas de como ficará a remuneração deles em relação aos demais trabalhadores. "Há muitas lutas que devemos pensar para toda a Fiocruz. A luta salarial, por exemplo, é de todos os trabalhadores da Fundação", acrescentou.

Competitividade
A competitividade da subsidiária, questão ressaltada no documento de teses, também foi debatida por Rosemberg. "Quando falamos de competitividade temos que saber com quem competimos. A palavra competitividade implica necessariamente no competidor. Então pergunto: quem é o competidor da produção da Fiocruz? A mão invisível do mercado? Fica muito difícil compreender o que significa competitividade no documento de teses", avaliou.

"Quando falamos de mercado, estamos falando de SUS. É o único mercado que atuamos e é o único mercado que queremos atuar", respondeu Mario, em sua fala. Também entre os presentes, o diretor de Bio-maguinhos, Arthur Couto, contribuiu falando que a forma de atender ao mercado global será por meio de ações humanitárias, mas que não há impedimentos para atuar no privado. "Nós nunca atuamos no mercado privado, embora não haja restrições hoje. Mas não é o nosso foco. Vamos continuar sendo públicos, mas com uma lógica de produção privada", assegurou.

Felix Rosemberg rebateu argumentando que a lógica de produção privada não garante a saúde da população. "Quem tem que competir com a balança comercial é a indústria privada. O papel de uma agência estratégica de estado, além da regulação, é proteger a saúde do povo que é órfão pelas leis do mercado". Rosemberg exemplificou ainda o caso da vacina contra malária que não é desenvolvida por falta de interesse do mercado."A Fiocruz tem que intervir nestes casos, atendendo à população", concluiu.