A primeira atividade pública do ano sobre o tema que será discutido na plenária extraordinária do VI Congresso Interno do ano foi realizada na última quarta-feira, 4/5. O debate O modelo de gestão da Fiocruz e seus impactos no SUS, promovido pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (Icict/Fiocruz) como parte das comemorações dos 25 anos do Instituto, trouxe dois palestrantes convidados e muitas informações para os 50 profissionais que se reuniram no Salão de Leitura da Biblioteca de Ciências Biomédicas.
O especialista em gestão pública Luiz Arnaldo Pereira da Cunha Junior apresentou dados do estudo que realizou sobre os modelos de gestão utilizados no Brasil. “São pelo menos 60 modelos diferentes de implementação de políticas públicas”, afirmou. O palestrante falou sobre as diferenças jurídicas entre atividade estratégica de relevante interesse público e atividade exclusiva de Estado, com poder de polícia. Essa segunda categoria envolve as áreas de segurança nacional, relações internacionais e algumas de execução de políticas públicas, como controle do espaço aéreo e de uso de energia nuclear.
“A Fiocruz é uma entidade que executa atividades críticas, estratégicas e sensíveis de relevância pública para o SUS, mas que não são exclusivas de Estado ou do SUS”, definiu. Hoje, a instituição tem um modelo composto: uma fundação de direito público de ensino e pesquisa científica e tecnológica, que também realiza outras atividades, e uma fundação de apoio de direito privado. Luiz Arnaldo apresentou o histórico da legislação e uma extensa lista de modelos de implementação de políticas públicas usados hoje no país, tanto públicos quanto privados, que têm ou não amparo legal.
Na lista de modelos usados na administração federal, o especialista citou as fundações públicas (autárquicas) e privadas (estatais, instituídas por lei); as empresas públicas dependentes, não dependentes e especiais (como os Correios e a Infraero, bens públicos com imunidade tributária); entidades binacionais; e sociedades de economia mista de capital aberto, fechado ou com sistema de compras específicos, como a Petrobras e a Eletrobras. Entre vários modelos, Luiz Arnaldo falou sobre serviço social autônomo que, no seu ponto de vista, tem qualidades, mas é visto com preconceito pela forma como funciona hoje na Rede Sarah.
De acordo com o especialista, os modelos surgidos na Constituição de 1988 para implementação de políticas públicas foram insuficientes ou inadequados, principalmente para as polícias sociais - em áreas tais como assistência à saúde, desenvolvimento tecnológico, cultura e meio ambiente. “Os constituintes de 88 se preocuparam mais com as organizações que atuam com poder de polícia e na exploração de atividade econômica. Na questão social, o foco foi as políticas públicas e não como executá-las”, disse.
Luiz Arnaldo identifica a necessidade de construir consensos de ordem política, acadêmica, ideológica, econômica e social sobre o modelo ou modelos mais adequados para a realidade brasileira. Para a Fiocruz, considera que podem ser usados os modelos de fundação estatal, empresa pública social ou serviço social autônomo, ou ainda uma composição. “O melhor modelo para a Fiocruz é de uma entidade estatal, que permita maior flexibilidade administrativa, orçamentária e financeira, e maiores autonomia e independência técnica para produzir bens ou prestar serviços para o SUS, com maior qualidade, na quantidade demanda e com menores custos”, sugeriu.
Um debate estratégico para o país
O conselheiro do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Francisco Batista Júnior avaliou o panorama da saúde pública no país nas duas últimas décadas. “Esse debate é estratégico não somente para a Fiocruz e o Sistema Único de Saúde, mas para o país. O que está em jogo é o destino do Brasil”, afirmou. Para ele, o debate é ideológico e não está restrito apenas às questões de financiamento e gestão. “O Estado brasileiro é patrimonialista, está a serviço de grupos econômicos e políticas e é excludente do ponto de vista social”, afirmou. Na saúde, Júnior identifica como conseqüência gestores reféns de grupos econômicos que detém a tecnologia e a força de trabalho.
Soluções para os problemas do SUS, de acordo com o conselheiro, passam por questões complexas que incluem o modelo de atenção, que considera equivocado, e a relação entre o público e o privado. “A privatização da saúde acontece de forma nociva: o patrimônio público é entregue ao privado para ser administrado ou é entregue a grupos econômicos. Esse tipo de atuação levou o SUS à insolvência”, afirmou. Júnior defendeu a necessidade de autonomia pra remuneração e contratação de pessoal e contratos de gestão com metas, regras claras, acompanhamento e controle.
Questões como a dificuldade de contratação de especialistas pelo serviço público e a alta rotatividade de profissionais foram levantadas pelo conselheiro, que não vê solução dessas dificuldades por meio da adoção do modelo de fundação de direito privado. “A contratação via CLT não se contrapõe à ação patrimonialista”, afirmou. Francisco Batista Júnior afirmou que, desde o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, houve uma “desconstrução violenta” das conquistas alcançadas na Constituição Federal de 1988. “O SUS é um sistema profundamente avançado e o principal responsável pela melhoria da qualidade de vida da população brasileira, mas está agonizando”, declarou.
Participante da mesa, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN), Paulo César de Castro Ribeiro, disse que a entidade vem se organizando para dar conta do debate. “Hoje, há o predomínio do interesse privado sobre o do público. Os movimentos sociais tentam se organizar para enfrentar esse ataque”, afirmou. Para ele, é importante estar atento para que as mudanças que possam vir a ser implementadas na Fundação. “Temos que ver de que maneira estão sendo abertas as portas para atender o interesse do capital em vez do interesse público”, concluiu.
Foco no modelo de gestão
O vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fundação, Pedro Ribeiro Barbosa, ressaltou a importância de se compreender o escopo da Plenária Extraordinária a partir de uma visão abrangente do modelo de gestão da Fiocruz, não restrito ao modelo jurídico-institucional, que é apenas um de seus aspectos.
A tradição republicana da Fundação foi ressaltada por Pedro Barbosa, que lembrou a perspectiva de planejamento do VI Congresso Interno. De acordo com ele, as discussões partirão de um conjunto de dimensões e macro-projetos que expõem à sociedade o que a Fundação deve fazer. “Já provamos que as melhores decisões são pactuadas, discutidas. Não são as tomadas de forma açodada, nem de natureza apocalíptica”, pontuou. O vice-presidente afirmou ser necessário o aperfeiçoamento do modelo de gestão, o que não deve ser confundido com mudança de modelo jurídico, e de um sistema de superação de dificuldades de diversas ordens.
Como dinamizar o modelo de gestão no modelo jurídico já existente na Fundação foi uma das questões levantadas pelo vice-presidente. “Não há nenhuma relação com processos de privatização, que não guardam relação com modelos jurídicos”, afirmou. “A Fiocruz não abre mão do seu projeto estratégico para a saúde e para o desenvolvimento do país”, acrescentou. Pedro Barbosa fez ainda uma pequena apresentação com informações esquemáticas sobre o planejamento, modelo de gestão integrada e dimensões de governança da Fiocruz.
O diretor do Icict, Umberto Trigueiros, abriu o debate para o público depois de fazer algumas considerações sobre o dinamismo dos modelos de gestão. “O Estado é fruto de uma correlação de forças. Estamos num momento de refluxo dos movimentos sociais”, afirmou. A programação de aniversário do Instituto continua este mês com a realização, no dia 26/5, do seminário Informação, comunicação e divulgação científica em saúde. O evento tem como objetivo apresentar pesquisas diversas sobre saúde.
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