Presidência debate empresa pública para a área de produção

Claudia Lima

Cenários externos no caso de rejeição da proposta de empresa pública controlada pela
Fiocruz e riscos para os gestores da área de produção no modelo jurídico atual de autarquia. Esses foram alguns dos temas debatidos ontem por representantes das áreas da Presidência, que se reuniram de manhã no auditório do Museu da Vida para tratar do Documento de Teses. Participaram da mesa o presidente Paulo Gadelha; o vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional, Pedro Barbosa; e os diretores de Bio-Manguinhos e Farmanguinhos, Artur  Couto e Hayne Felipe da Silva.

O diretor de Farmanguinhos abriu o debate ressaltando que a proposta de criação de novo modelo jurídico para a área de produção parte dos pressupostos de integralidade da instituição, defesa de seu papel estatal e estratégico, e compromisso com a gestão democrática e participativa. “O crescimento e fortalecimento da indústria farmacêutica baseada na biotecnologia exige que tenhamos mais agilidade e capacidade de responder às demandas de produção para ajudar no fortalecimento do Estado e do seu papel regulador”, afirmou.

Dificuldades na execução orçamentária
Hayne considera que a Fiocruz pode ser pioneira e servir “como balão de ensaio para a melhoria do Estado”. Já o diretor de Bio-Manguinhos lembrou que a busca de soluções para a área de produção é antiga. “Temos problemas não só na ordem de pessoal – hoje são 1.100 terceirizados exercendo funções de servidor público -, mas também enormes dificuldades de atender as demandas de produção e executar os recursos“, afirmou Artur Couto. Entre 1996 e 2010, a unidade conseguiu contratar apenas 237 novos servidores.

O diretor citou o fato de o Ministério da Saúde ter repassado R$ 350 milhões relativos a produtos entregues por Bio-Manguinhos no fim de dezembro. “Tínhamos dez dias para executar esses recursos ou devolver ao Ministério. Precisamos então usar a Fiotec”, contou, exemplificando como o modelo de orçamento da autarquia é inadequado para a área de produção. No caso de adoção do modelo de empresa pública, o orçamento é plurianual e o fluxo de caixa, contínuo.

Riscos para os gestores
Couto falou da vulnerabilidade dos gestores, que ficam sujeitos a responder por inadequações de processos que envolvem volumes de recursos cada vez maiores. “É justo colocar a carga de responsabilidade da instituição nos ombros de um grupo de profissionais?”, questionou. Artur Couto contou que os gestores hoje têm medo de assinar contratos, já que serão responsabilizados pessoalmente pelos órgãos de controle.

O diretor do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia em Saúde (CDTS), Carlos Morel, citou o caso da pesquisadora Ligia Bahia, que está respondendo pela devolução de R$ 100 mil aplicados numa pesquisa que não teve os resultados esperados pelo financiador. “É uma realidade. Todo dia o gestor está com o pescoço na forca. Isso não é ético”, opinou. Morel lembrou que sua prestação de contas como presidente da Fundação demorou oito anos para ser aprovada por causa da renovação de um contrato de empresa de vigilância.

Presente e cenários futuros
Para o diretor do CDTS, o impasse criado na instituição diante decisão de mudar o modelo jurídico para a área de produção causa estranheza. ”Na maioria das vezes a Fiocruz propôs mudanças contra o governo. Desta vez, tem todo o apoio do governo”, avaliou. Carlos Morel propôs uma reflexão sobre o que poderá acontecer no caso de a Plenária Extraordinária rejeitar a criação de subsidiária.  “Temo por uma crise grande se uma proposta desejada pelo governo não sair”, afirmou.

Morel lembrou que o governo federal investirá R$ 1 bilhão na nova planta de produção de Bio-Manguinhos na Zona Oeste do Rio. “Não acho que a presidente Dilma que vai a Cuba O que a presidente, com 77% de popularidade, fará? Virá aqui pedir ao Congresso Interno? Duvido”, refletiu. “A gente tem que tomar muito cuidado com esses cenários. Por que a Fiocruz está com medo de fazer uma reforma que o governo democraticamente eleito quer?”, questionou. Morel lembrou ainda o caso do Instituto Pasteur. “Eles tomaram a decisão errada de tirar a produção e a pesquisa sofreu com isso”, disse.

Contribuições ao Documento de Teses
O vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional, Pedro Barbosa, sugeriu algumas contribuições para o Documento de Teses, que será apreciado na Plenária Extraordinária do VI Congresso Interno, dias 9, 10 e 11 de maio. As propostas das unidades devem ser enviadas por meio das direções à Comissão Organizadora até 13/4. “Toda mudança gera um grau de incerteza. É preciso reforçar no documento a garantia do processo de monitoramento e contribuição continuada à proposta da subsidiária”, afirmou.

Alguns pontos devem ser melhor explicitados no Documento de Teses, de acordo com Barbosa. “É preciso estar claro que a subsidiária vinculada é de controle pleno e integral da Fiocruz. Essa empresa vai gerar excedentes e resultados, como gera hoje, que fortalecem o sistema Fiocruz”, afirmou. Para ele, é preciso responder a outra questão. “As pessoas se perguntam: o que vou ganhar com isso? É preciso lembrar que a Fundação sempre foi dinamizada pelas forças específicas de suas unidades”, declarou.

“Vivi aqui a dinamização da Fiocruz quando o IOC isolou o vírus da Aids e  quando a Ensp foi liderança nacional do projeto de reforma sanitária”, apontou Pedro Barbosa. “Não temos uma ação específica hoje para construção do novo prédio do IOC, mas vai ser construído porque a gente alavanca recursos a partir de pactuações e remanejamentos de outras ações de investimento. É preciso que fique clara a compreensão de ganho sistêmico”, afirmou. Pedro Barbosa informou que, no ano passado, Bio-Manguinhos  contribuiu com R$ 80 milhões para o orçamento da Fiocruz.

“A Fiocruz terá 100% do controle dos excedentes, tanto para efeito de reinvestimento, quanto de acréscimo ao sistema Fiocruz”, disse. Por fim, o vice-presidente sugeriu que fique mais claro que haverá salvaguardas para equalização dos planos de carreira dos servidores sob o regime RJU, da autarquia, e CLT, da subsidiária. “É um ponto sensível se criaremos uma elite na área de produção. O regime CLT para a empresa pública não é opção, é um elemento constitucional”, disse. “A regulação desse processo é pelo CD da Fiocruz, porque é matéria de estratégia”, disse, ponderando. “É ilusão dizer que haverá uniformidade, que não temos nem no nosso plano RJU”, concluiu.

Pioneirismo e sustentabilidade
A Coordenadora do Programa Institucional Biodiversidade e Saúde, Marcia Chame vê com otimismo a possibilidade de mudança. “É o início de um estudo em que podemos ter a oportunidade de criar o que a gente quer, em vez de esperar que criem para a gente”, avaliou, citando as possibilidades de uso biotecnologia e da biodiversidade como promotores de uma série de tecnologias para a saúde. “Podemos ser um grande modelo não só de desenvolvimento de biotecnologia, mas de uma estrutura onde esses recursos do país possam ser usados para a saúde e possam voltar como benefício sustentável para a nação brasileira”, afirmou.

Considerando a inovação, Marcia Chame acredita que o modelo de subsidiária possa trazer rapidez e agilidade, com a vantagem de poder usar os financiamentos voltados para a área. Ela ressaltou ainda o esforço de formação de profissionais jovens feito hoje pela Fundação. “Se a gente não der oportunidades de integrar essas pessoas, vai formar profissionais que vão estar no mundo comercial e perder a oportunidade de ter em nossa instituição essa inteligência”, afirmou. “Acho que temos toda a capacidade e maturidade para criar uma subsidiária que garanta todas as cláusulas pétreas da Fundação e que a gente tenha o comando”, declarou.

Indústria farmacêutica
O presidente Paulo Gadelha situou a discussão ao falar do cenário atual da produção de medicamentos. “Quem está acompanhando na imprensa, notícias nos mostrando que a conformação dessa área ligada a medicamentos, vacinas e biofármacos está mudando no país e no mundo de uma maneira muito intensa”, afirmou. Gadelha citou a formação de um conglomerado de empresas nacionais com recursos do BNDES, voltado para biofármacos e fez um histórico do importante papel da Fundação como reguladora de preços e operadora direta nas áreas socialmente importantes nas quais o setor privado não tem interesse de atuar.

“A garantia de compra do Estado foi fundamental para garantir Bio-Manguinhos e Farmanguinhos”, afirmou o presidente, indicando esse aporte como grande atrativo e garantia para que a empresa pública vinculada à Fundação obtenha empréstimos do BNDES e Finep.  “São investimentos subsidiados, com taxas de retorno muito baixas. A Constituição brasileira impede que uma autarquia receba esse tipo de investimento”, explicou. Gadelha lembrou que esses recursos são fundamentais não só para instalações.

“O investimento pesadíssimo e talvez central é em processos de desenvolvimento de novos produtos com o risco de poder chegar na ponta bem sucedido ou não. Isso não será feito pelo orçamento da União”, afirmou. Sem acesso a financiamentos desse porte por meio de empresa pública, de acordo com o presidente, esses empréstimos são direcionados unicamente para as empresas privadas. “Vamos começar a assistir a inversão do processo em que nós éramos fortes e o mercado privado mais fraco, e teremos maior dificuldade de exercer nossa função de Estado”, disse.

Quanto à questão de recursos humanos, Gadelha vê uma grande oportunidade de integrar aos quadros da empresa novos servidores públicos, reduzindo a precarização do trabalho terceirizado na área de produção. “Não vamos precisar de autorização legislativa para fazer a integração de uma força de trabalho terceirizada no plano de cargos de uma empresa. basta negociar com o Executivo”, afirmou o presidente, indicando que a solução beneficiará a Fiocruz como um todo, que terá vagas as vagas da área de produção incorporadas às demais unidades.