O papel da Fiocruz na Política Nacional de Saúde, Ciência e Tecnologia

Além de uma dimensão essencial das próprias condições de cidadania, a saúde faz parte de um conjunto extremamente restrito de sistemas produtivos e de inovação que definem as possibilidades futuras de desenvolvimento dos países e de superação das fortes desigualdades existentes no contexto global. Na história mundial contemporânea, somente os países que lograram montar bases endógenas de inovação conseguiram superar as barreiras do atraso, colocando-se como nações soberanas para definir os rumos de suas trajetórias de desenvolvimento.

No âmbito da ciência, tecnologia e inovação em saúde, observa-se uma profunda e crescente assimetria na geração do conhecimento em saúde. Do total do esforço mundial de pesquisa e desenvolvimento em saúde, 96% dos gastos concentram-se nas nações desenvolvidas, ficando apenas 4% deste esforço no âmbito dos países de média e baixa renda como o Brasil. O complexo produtivo de bens e serviços responde por parte majoritária da realização destas atividades de P&D nos países desenvolvidos, seguindo uma lógica que, invariavelmente, se desvincula das necessidades sociais e dos sistemas nacionais de inovação em saúde de países como o Brasil.

A utilização da pesquisa em saúde realizada no País mostra-se extremamente frágil, colocando um enorme desafio para a transformação de nosso setor produtivo para que se envolva, de modo importante, com atividades de alta intensidade de conhecimento e de inovação e que sejam vinculadas às necessidades sociais. Acabamos de presenciar o elevado dinamismo da produção científica brasileira, com um crescimento de 56% entre 2007 e 2008, elevando a colocação do Brasil da 15ª posição no ranking mundial de artigos científicos para a 13ª posição. Esta produção científica representa 2,12% da produção mundial (sciencewatch.com), sendo quase o dobro de nossa participação no PIB global, destacando-se a saúde como uma das principais áreas de pesquisa do país. O grande dilema é que o País possui pesquisadores qualificados e uma infra-estrutura de C&T em saúde consolidada, além de uma base produtiva de bens e serviços em saúde ampla e diversificada - única na América Latina -, mas o conhecimento gerado é pouco aproveitado produtivamente para as necessidades da população.

Para a superação desta situação o País se defronta com uma estrutura do Estado fragilizada pela visão predominante no período neoliberal. Não existe inovação e desenvolvimento sem que as amarras de uma estrutura atrasada sejam rompidas. A inovação requer um Estado inovador e estamos oferecemos à sociedade a Fiocruz como um campo avançado de experimentação de novas formas de atuação do Estado, sendo ao mesmo tempo democrático, flexível, articulado em rede e transformador.

Neste contexto, a Fiocruz apresenta à sociedade a proposta de se constituir como uma instituição estratégica de Estado que permita, seguindo o exemplo de Oswaldo Cruz, aliar a ciência brasileira em saúde com as necessidades dos cidadãos brasileiros e com a constituição de uma base endógena de inovação.  A Fiocruz assume, assim, a missão de ser uma das âncoras do processo de desenvolvimento nacional em saúde em parceria com outras instituições brasileiras, ajudando a formar uma grande articulação técnica, científica, produtiva e política em âmbito nacional e internacional.

A meta última de uma estratégica de C&T e inovação em saúde é contribuir para os objetivos da Reforma Sanitária no Brasil.  O desafio é enorme, requerendo mudanças profundas na relação entre pesquisa, inovação e produção, mas acreditamos que o contexto atual apresenta uma oportunidade para a inserção do Brasil num novo padrão de desenvolvimento que alia competitividade, inovação, equidade e garantia de acesso universal da população aos bens, serviços e conhecimentos estratégicos em saúde

Paulo Gadelha

Presidente da Fiocruz

(Publicado na edição de julho de 2009 dos Cadernos de Saúde Pública/Ensp)

10/11/2009