O processo do VIII Congresso Interno teve início na manhã desta quarta-feira (6/9), com o seminário Os Desafios para a Saúde Global no Contexto de Ampliação das Desigualdades e dos Riscos Ambientais e Tecnológicos: Reflexões sobre a Fiocruz do Futuro. A palestra foi do coordenador do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde, do Instituto Gonçalo Muniz (Cidacs/IGM/Fiocruz Bahia), Maurício Barreto.
A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima; o vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional, Mario Moreira; e o coordenador das Ações de Prospecção, Carlos Gadelha, participaram da mesa de abertura. “Vivemos um momento de grande apreensão em relação aos rumos futuros da democracia e do SUS. A grande questão desse Congresso Interno é como a Fiocruz faz essa travessia e se prepara para contribuir para essa discussão”, afirmou a presidente da Fiocruz.
Mario Moreira ressaltou que, pela primeira vez, a Comissão Organizadora levará para a aprovação do Conselho Deliberativo da Fiocruz a proposta de participação popular e de estudantes. O vice-presidente também apresentou a agenda de seminários que antecedem as deliberações do Congresso. Já Carlos Gadelha convocou a comunidade a participar do processo. “Com este primeiro seminário queremos chamar a inteligência da Fundação a pensar o futuro. Pensar a Fiocruz”, disse.
Após a apresentação do pesquisador, o coordenador de Relações Internacionais em Saúde (Cris), Paulo Buss, mediou a apresentação. “Essa instituição tem tudo para ser o grande espaço crítico de observatório da realidade sociossanitária e um grande celeiro de soluções”, afirmou Buss. “A produção científica e seus resultados são uma riqueza e um patrimônio da Fiocruz, mas não podemos esquecer das tecnologias sociais, de governança do SUS, relação com a sociedade. Essas são questões que dão grande retorno para a sociedade”, concluiu.
Reflexões
O evento, realizado no Auditório do Museu da Vida, foi promovido pela Comissão Organizadora do VIII Congresso Interno e pela Coordenação de Ações de Prospecção da Presidência da Fiocruz. Veja a apresentação e alguns trechos da palestra do pesquisador Maurício Barreto, que falou sobre sua preocupação, como epidemiologista e pesquisador, de entender como o Brasil e as suas instituições atuam e usou a frase da filósofa húngara Agnes Heller, numa entrevista recente, para começar a discussão: “O mundo é um lugar perigoso e sempre será. (...) devemos aprender a viver com isso”.
Veja alguns trechos das reflexões debatidas por Maurício Barreto. A apresentação e o vídeo com a íntegra da palestra estão disponíveis.
Ciência - “Para mim, a pesquisa é uma forma de entender o mundo. Evidentemente, esse é um entendimento parcial, incompleto. Mas, quem tem o entendimento completo das coisas? A ciência é mecanismo da inteligência humana de tentar resolver seus problemas. O Brasil hoje produz 2% da produção científica do mundo. Como nos conectamos para ser parte dessas soluções e como resolvemos nossos problemas locais?.”
Percepção da saúde – “As condições de saúde são expressão dos processos históricos e dos contextos políticos, econômicos, culturais, sociais e ambientais. A forma como percebemos os problemas de saúde também é socialmente construída. A percepção desses problemas não é homogênea, há uma percepção subjetiva. Hoje, sete milhões de pessoas morem por ano porque fumam. Isso está na página da Organização Mundial da Saúde, que não diz claramente como resolver esse problema. Já outras questões menores são maximizadas. Ficamos pensando: o que é importante no campo da saúde?”
Desigualdades – “Uma questão que é cara em saúde hoje é a das desigualdades. Essa sanha neoliberal de processos cumulativos e geradores de desigualdades é uma questão. No campo da saúde, entendemos essas desigualdades comparando, não existe um absoluto. São processos, por isso essa perspectiva da saúde global – entender a saúde de uma sociedade em comparação com outra. Só entendemos as condições de saúde e as desigualdades através de comparações.”
Incertezas – “Nosso entendimento dos problemas de saúde mistura conhecimentos sólidos com incertezas, ambiguidades e, não infrequentemente, ignorâncias. Infelizmente, isso é usado hoje de várias formas, algumas negativas, por indústrias. A implantação da dúvida é uma vantagem para certas questões em litígio na sociedade.”
Democracia - “A questão saúde no mundo contemporâneo está no epicentro dos debates políticos e reflete lógicas políticas em confronto. No momento em que a gente vive, de confronto, não há só o risco de adoecimento, mas inclusive o risco da própria democracia. Não pode existir democracia em sociedades desiguais.”
SUS - “A Fiocruz tem um compromisso histórico com a estruturação e a sobrevivência do SUS, um modelo que vai contra a onda neoliberal num país em desenvolvimento. A questão de saúde tem cada vez mais importância política no mundo contemporâneo, porque diz respeito ao cotidiano das pessoas. O sistema de saúde inglês é um modelo internacional de saúde bastante entranhado na sociedade e tem resistido bravamente aos ataques neoliberais. Resistiu aos governos conservadores, está com uma carga imensa de problemas, mas ninguém conseguiu destruir o sistema, porque está entranhado no cotidiano das pessoas. Isso é uma lição pra gente entender. A vinculação nossa com o SUS tem um sentido político imenso.”
Urbanização – “Temos a questão urbana: as cidades como o epicentro da vida moderna. Deixamos de viver em espaços largos para viver em espaços contíguos e isso tem imensas repercussões no campo da saúde, como a transmissão de doenças infecciosas. Por exemplo, a questão da hanseníase, que foi controlada no século 18 e 19. Nós estamos vendo no Brasil uma imensa dificuldade de controlar, em parte porque a hanseníase se urbanizou. E temos todos os reflexos das desigualdades e das injustiças sociais que se cristalizam no ambiente urbano e que têm suas consequências na saúde.”
(Texto: Claudia Lima e Erika Guedes; Foto: Peter Ilicciev)
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