O Sistema Único de Saúde, o modelo de desenvolvimento e o papel do Estado foram alguns dos temas discutidos durante o segundo encontro dos Seminários Preparatórios para o 7º Congresso, realizado na última sexta-feira (1/8), no auditório do Museu da Vida, no Campus Manguinhos. O debate contou com a presença de dois convidados: a presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Maria do Socorro de Souza, e o presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Luis Eugenio Souza. O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, e o vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional, Pedro Barbosa, compuseram a mesa.
A participação de representantes de instâncias de controle social no campo da saúde para discutir a atuação da Fiocruz foi saudada pelo presidente Gadelha, que ressaltou a presença da presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Ana Costa. “Queremos ouvir de vocês com toda a franqueza quais as expectativas e críticas em relação a esta instituição”, disse, depois de falar sobre o processo do Congresso Interno – órgão máximo de representação da Fundação Oswaldo Cruz, que tem como competência deliberar sobre assuntos estratégicos relacionados ao macroprojeto institucional.
O vice-presidente de Gestão reforçou o papel do Congresso Interno. “Não é uma instância da instituição que apenas olha seu planejamento. Tem uma dimensão de comprometimento político, de quando, em conjunto com todos os seus trabalhadores, a instituição dialoga com a sociedade”, afirmou Pedro Barbosa. Para Gadelha, a experiência de participação é única. “A instituição mobiliza o que há de melhor na sua capacidade de dar sentido e agregar uma instituição tão diversa”, disse. O debate começou de manhã e se estendeu até a tarde.
Consumo e inclusão
Luis Eugenio fez um resgate histórico da conjuntura nacional da saúde. “O Brasil vive hoje um momento ímpar: acredito que não tivemos ainda condições de avaliar todas as consequências do processo de incorporação de 40 milhões de brasileiros ao universo do consumo. Um fenômeno de resultados imprevisíveis. Algumas ações ficam evidentes, como é o caso da radicalização dos conflitos sociais”, disse. “A violência, tão presente atualmente, é efeito da tensão existente entre as classes sociais brasileiras”, afirmou.
Segundo Luis Eugenio, hoje a sociedade pode ser descrita com base no consumismo e no individualismo. Essa realidade incorpora uma parcela significativa da população que não tem condições de atingir o padrão de consumismo que parte da elite brasileira alcançou. Nesse sentido, Maria do Socorro afirmou que a Fiocruz, além de ser um lugar privilegiado para pensar o Sistema Único de Saúde (SUS), tem papel importante para propor uma reflexão sobre a sociedade de classes. “Isso fica expresso também em sua missão”, afirmou.
Desafios
Para Socorro, a missão da Fundação é muito bem definida, porém sua prática institucional ainda representa um desafio muito grande, uma vez que é híbrida em sua constituição: instituições de pesquisa e ensino, escolas, redes de serviços, entre outras. “Este é um desafio enorme para a instituição”, afirmou. Também no cenário desafios, Luis Eugenio citou a forte segmentação que se expressa na saúde como um todo. “De um lado, os 25 anos do SUS representaram conquistas enormes: o grau de incorporação de pessoas na atenção básica, programas como o de Aids, de saúde bucal, de imunização, o desenvolvimento tecnológico... De outro lado, existe uma perspectiva forte de um sistema de saúde segmentado”, destacou.
Para mudar esse quadro, o presidente da Abrasco afirmou que integrantes do Movimento Sanitário e dos Conselhos de Saúde têm estruturado uma agenda a partir de cinco eixos: Desenvolvimento; Democracia; Modelo de Atenção (constituição de redes); Gestão e Financiamento. Maria do Socorro lembrou que é preciso falar, ainda, da interiorização do desenvolvimento. “Na saúde, pensamos muito no desenvolvimento a partir das grandes cidades, mas precisamos discutir a interiorização do desenvolvimento. Devemos lembrar que 70% do território nacional são, sobretudo, de municípios pequenos”, destacou.
Diálogo com a sociedade
Para a palestrante, é preciso aumentar o diálogo com a sociedade. “As instituições públicas que se propõem a discutir projeto de país, como a Fiocruz, têm que dialogar mais com a sociedade. E acho que fazemos pouco isso, fazemos mais com a comunidade científica, mas não fazemos com o conjunto da sociedade, que precisa entender, de fato, como a Fundação atua na saúde”, refletiu. Para Socorro, a instituição precisa avançar nesse sentido. “A Fiocruz é parceira do controle social, mas não se põe como objeto desse controle”, disse. “Todos conhecem o Castelinho, mas a imagem da Fundação não é nítida para a sociedade de forma geral”, concluiu.
Paulo Gadelha falou sobre o permanente processo de atualização do projeto institucional da Fiocruz. “A recriação desse projeto neste período contemporâneo está organicamente associada ao processo da Reforma Sanitária, à reforma constitucional e todos os desafios de constituição do SUS”, disse. “É uma instituição de Estado, que desempenha funções estratégicas centrais e que, através da compreensão sobre a saúde, opera numa dimensão muito ampla nas questões sociais e políticas deste país”, avaliou.
“Uma das questões centrais desse processo se coloca na necessidade de mudança profunda do Estado brasileiro. Temos hoje um Estado muito aquém do nível dos desafios, seja do ponto de vista da saúde, das demandas sociais e da capacidade de operar com eficiência por meio de suas instituições”, afirmou Gadelha. Para o presidente, não é possível falar de projeto de desenvolvimento nacional e sustentável sem ter como base a saúde. Ele lembrou da atuação internacional da Fiocruz na defesa da cobertura universal de saúde, entre outras ações.
O presidente traçou um amplo panorama das áreas de atuação da Fiocruz e de temas de importância institucional, como a questão das drogas lícitas e ilícitas; os processos comunicacionais tradicionais e a busca de novas formas de diálogo com a sociedade; as mudanças no quadro epidemiológico da população e o crescimento das doenças como câncer, Alzheimer e outras de origem neurológica, que se soma ao legado de trabalho em doenças negligenciadas da instituição. O debate foi transmitido em tempo real e está disponível no link http://webconf2.rnp.br/p77h0j6cber/
Texto: Claudia Lima e Daniela Savaget / Fotos: Peter Ilicciev
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